A Fuga

Virgínia estava de saco cheio da vida. Cansada de exibir sua beleza alva a quem não a merecia. Ela queria viajar, se desapegar das coisas momentaneamente insubstituíveis, conhecer novas caras a quem se apegar, tomar o rumo de outros ares. Estava cansada de dormir toda noite no mesmo horário, acordar no dia seguinte na mesma hora, almoçar por volta do meio dia e encontrar diariamente os mesmos rostos.

Todos sempre elogiavam a beleza de Virgínia, cabelos longos e lisos, castanhos quase negros e olhos azuis mareados que transpareciam sua inteligência. Mas não era isso que ela queria. Não queria que falassem de como era bela ou inteligente. Quando falassem dela, gostaria que se referissem à ela como aquela que ousou e driblou a mesmice do dia a dia e fez a vida valer a pena.

Virgínia deixou tudo de lado, escola, família e amigos, juntou as economias que tinha e se mandou para Londres. Saiu da casca, do mundo pequeno e fechado, sem horizontes em que vivia. Chegando lá, raspou metade do cabelo e deixou a outra metade bem curtinha, colocou um piercing no nariz e outro na língua, arranjou um emprego de garçonete enquanto iniciava os estudos em Direito e fez novas amizades. Passado um tempo arranjou outros amores, casou-se com um escolhido a dedo, se formou, teve dois filhos (um casal) e todo fim de mês fazia o orçamento com o marido, pra ver se conseguiriam pagar as contas. Foi então que Virgínia percebeu que era impossível driblar a mesmice da vida, seja ela qual fosse.