segunda-feira, 14 de março de 2011

A penitência de Rosana

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Nossa, como aquilo deixavam loucos os nervos que ainda não haviam se desfeito em frangalhos. Era um tique taquear constante, ritmado, ensurdecedor. Rosana não aguentava mais aqueles minutos trancada naquela cela. Um dia se passara, mas a eternidade parecia ter sido comprimida naquele único dia que passara lá. O tempo transcorria feito a decomposição de uma garrafa pet em meio ao lixo. Era difícil fazer passar o tempo...

Como se arrependia de tudo o que fizera... Nada na vida paga a liberdade, pena que tenha descoberto isso tarde demais e pago um preço muito alto por tão simples descoberta. Teria preferido se privar das delícias dos erros e loucuras que já havia cometido do que ter de esperar o final do cumprimento de sua sentença para que pudesse novamente andar pelas ruas como um ser humano livre, normal. Mas agora já era tarde para expectativas e esperanças, não podia voltar no tempo e fazer diferente, pois o tempo não volta. Fora um único erro que desvirtuara de forma tão fatal a sua vida do caminho que estava predestinada a seguir. Como pudera se deixar levar pelos impulsos e cometer erros que são passíveis de punição como aquele?

Deveria ter feito outras coisas sem que a mandassem para a cadeia, mas não. Foi burra o suficiente para se deixar encurralar em uma armadilha para depois trancafiarem-na em uma jaula para seres humanos no meio do nada.

O dia já estava terminando, era chegado ao fim o primeiro de muitos dos eternos minutos que teria de viver ali, pois uma pena de 15 anos não passaria tão rapidamente. Mas quem sabe por um bom comportamento, um pedido de redução de pena dentro de pouco tempo e pronto, estaria acabado. Só teria que aguentar mais uns oito anos e findaria seu sofrimento.

A cabeça de Rosana não parava de pensar... A injustiça que haviam cometido contra ela era tanta que ela mal conseguia respirar. Pensava em como podia fazê-los enxergar que estavam errados, que ela só havia feito o que tinha de ser feito e eles não poderiam puni-la por isso. Ela também tinha necessidades, todos tinham. Haveriam de entender suas razões, os motivos que a levaram a isso. Mas enquanto o tempo não passava, no eterno tique taque das horas na parede do corredor em frente à cela onde se encontrava Rosana, ela teria tempo de sobra para rememorar os fatídicos momentos que à levaram até ali, pensando no que poderia ter feito... “Se ao menos não houvessem encontrado os corpos das crianças...”.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A visita inesperada

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Miranda fez o que costumava fazer todos os dias depois do jantar: colocou os óculos de leitura, ligou a televisão no volume mais baixo, mas ainda assim audível e começou a repassar a agenda toda do dia seguinte. Como sempre, se cansava com antecedência só de prever a correria que seria. Teria que ligar para a faxineira assim que acordasse, pois a casa estava uma algazarra, levaria a roupa na lavanderia, pois sua máquina de lavar estava quebrada há mais de um mês e ainda não tinha tido tempo de levar para consertá-la e depois, só depois, iria começar o dia na editora. Miranda adorava o trabalho assim que começou como chefe de seu departamento, mas com o passar do tempo tudo foi se tornando igual e sem perspectivas. O tempo passava e a vida passava com o tempo, mas nada de novo acontecia, vai dia, vem dia, e tudo continuava igual.

Como não tinha filhos, nem marido, nem mulher, nem ninguém com quem pudesse relaxar, Miranda foi acostumando-se à solidão e fez dela sua companheira constante. No começo adorava ficar sozinha e poder desfrutar das delícias que a solteirisse e a solidão lhe proporcionavam: tinha total controle e comando sobre sua vida, a independência que sempre buscara. No entanto, Mirando foi percebendo que as coisas na vida só tinham graça caso pudessem ser compartilhadas, que suas conquistas, suas vitórias e suas derrotas só tinham um real valor se tivesse com quem dividi-las.

Quando se deu conta disso, Miranda já estava fechada o suficiente para o mundo. Pensava só nela mesma e no trabalho, única coisa que tinha de realmente seu em sua vida e ao qual se entregava de corpo e alma, talvez para não sentir o gosto amargo da solidão nas tantas horas vagas que tinha só para si. E foi numa dessas horas vagas, logo após o jantar de microondas diário, quando revisava a agenda e repassava alguns dos projetos do dia seguinte, que Miranda ouviu uma voz que lhe soou familiar:

- Olá Miranda. Há tanto tempo espero poder falar com você!

Um calafrio lhe percorreu a espinha e arrepiou os pelos da nuca. Miranda forçou os pequeninos olhos para um lado, para o outro, para a janela logo à frente, mas nada viu. Ficou muda de susto e curiosidade. Que voz seria aquela?

- Não lembras mais de mim, minha companheira de infância e juventude? - disse a voz feminina, como que de criança.

Com a sensação de que estava em meio a um sonho, Miranda pensou que não teria mal nenhum em começar a entabular uma conversa com a voz que surgira do nada, como que brotada das paredes do apartamento do 15º andar.

- Não me lembro de sua voz. E como seu rosto não consigo ver, acho que não a conheço.

- Não me diga que não se lembra nem um pouco de minha voz! Puxe pela memória...tantos foram os momentos que passamos juntas... Dou-lhe mais uma chance, caso não acerte, revelo-te quem sou.

Miranda pensou mais um pouco. Brincadeira esquisita era aquela. Tinha a sensação de que conhecia aquela voz, meio infantil, meio zombeteira. Mas não conseguia se lembrar, em definitivo, de quem pudesse ser aquela voz.

- Não me lembro - declarou.

- Pois bem, vejo que muito se perdeu nesse tempo. Achei que não pudesse se esquecer de algo que foi seu, de uma coisa que faz parte de você. Mas observando-a como está hoje, posso entender que se perdeu de si mesma e acabou por esquecer quem você foi um dia.

- Não estou entendendo. Diz logo quem é.

- Eu sou você, quando ainda tinha sonhos para sonhar e uma vida toda para viver. Como é triste ver no que me tornei! Quando jovem achava que faria tantas coisas de minha vida, que seria tanto, que viveria tantas coisas. Mas vejo que me perdi em algum ponto de minha caminhada e me afastei de mim. O eu de amanhã não sou mais eu...

O coração de Miranda gelou. Então era isso, claro. Como não reconhecera a própria voz de menina? Já haviam se passado muitos anos, mas era sua voz, algo que vinha de dentro dela e falava com ela mesma como se outro fosse.

- Agora reconheço a voz. Não me lembrei porque faz muito tempo, mas sou eu mesma, quando menina.

- Sim - disse a voz - não posso aparecer para que me veja pois minha aparência envelheceu, como a sua. Tenho o físico de sua idade, uma mulher madura, mas fiquei guardada em seu inconsciente como a menina de antes, então não posso me mostrar, tenho somente a voz como prova do que foi aquele tempo.

- E porque apareceu agora?

- Apareci pois não aguento mais a prisão que vivo. Pensamos tantas coisas quando moça, sonhamos tantas coisas para mim, e veja no que me tornei hoje, uma mulher de meia idade, cansada de tudo e todos, sozinha entre quatro paredes todos os dias do ano, sem amores, amigos, filhos. Sem nada que realmente importe. Apareci para talvez fazê-la enxergar como enxergava antes, apareci para que renasçam em ti os sonhos que existiam em mim, em nós, há tantos anos. Tantas coisas foram sonhadas, almejadas, tantas...e nada se conseguiu, tudo escoou pelo ralo! Em que ponto da vida se perdeu dos meus planos, dos nossos sonhos?

- No momento em que deixei de acreditar que seria possível fazer mais ou ser mais do que sou hoje.

- Então agora, digo para o que sou hoje que me mataria se tivesse meios para isso, mas como sou algo um tanto abstrato, fico cada vez mais infeliz de ter de conviver com a derrota antes do tempo, com a conformidade antecipada, com a velhice precoce da alma. Vou-me embora para o seu subconsciente, mas quero que se lembre de minha voz e de minhas palavras. Não deixe os sonhos irem pelo ralo, nem a vida se esvair em pó. Tente ao menos.

Então fez-se o silêncio, seguido de uma ventania. Miranda foi em direção fechar os vidros das janelas. A sensação de que aquela conversa com ela mesma havia sido um sonho crescia na medida em que os minutos iam correndo. Que loucura - pensou ela.

Acomodou-se no sofá e pegou novamente a agenda para continuar a rever os compromissos do dia seguinte. Olhou para o relógio pregado na parede da sala. O tique taque eterno das horas. Mudou de ideia. Sonho ou não, resolveu seguir o conselho do seu inconsciente. Foi para o quarto, trocou de roupa, fez uma maquiagem normal, pegou a bolsa e as chaves do carro. Quando estava saindo do apartamento, deu e cara com uma fotografia antiga que deixava na prateleira da sala, mas para a qual nunca olhava. Ela em seu tempo de menina, com o sorriso que demonstrava os sonhos e o amor que tinha outrora.

Apagou a luz e trancou a porta da sala, disposta a abrir muitas outras portas para sua vida.

quinta-feira, 10 de março de 2011

A escolha de Helena

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As coisas continuavam caminhando da forma como sempre caminharam, de modo que nada e nem ninguém, até o presente momento, havia atrapalhado os planos de Helena. Mas, como nada é eterno e se perpetua para sempre, eia que surge algo que atrapalha o andamento em curso dos planos da jovem Helena, obrigando-a a tomar uma decisão.

Isso nunca havia acontecido antes, as coisas sempre tomaram o rumo esperado em sua vida, e agora, quando era forçada a escolher, não sabia que caminho tomar. Tentava puxar pela memória se havia feito alguma escolha relevante em sua vida, quando era mais nova, mas não conseguia se lembrar de nenhuma que não fosse a escolha da boneca como presente, a escolha do restaurante preferido, enfim...Coisas que não mudavam nada na vida de outras pessoas e muito menos a vida dela mesma.

Mas agora era diferente. Percebeu que a decisão que teria de tomar mudaria sua vida por completo. Se seguisse os conselhos de Maria, perderia a oportunidade de conhecer novas pessoas, mas ao mesmo tempo ficaria com quem ama. Perderia a oportunidade de conhecer lugares nunca vistos, viver aventuras inimagináveis, mas ficaria com a companhia de quem mais queria, para sempre quem sabe. Já se seguisse os conselhos de Mário, iria desfrutar de todas as oportunidades que a vida lhe oferecesse, viajaria o mundo, conheceria pessoas de todos os tipos, adquiriria um conhecimento enorme a respeito da vida e de si própria, mas perderia o seu amor. A distância e a falta de comunicação não iriam aguentar, ele já havia dito.

Então Helena estava indecisa. Não sabia como deveria agir, pensava nas consequências a longo prazo. Viajar lhe renderiam recordações por toda a vida, mas amar seria uma constante, talvez por toda sua existência. Talvez se amasse mais, Helena resolvesse ficar. Talvez se amasse menos, já teria arrumado as malas e ido embora.

Que caminho Helena tomaria que mudaria toda sua vida? Virar à esquerda ou à direita?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Aniversário

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Como passam rápido os anos da juventude. Sem que percebamos, os aniversários levam consigo parte de nossas vidas, deixando-nos somente com recordações e lembranças de um tempo que, fatalmente, não volta mais.

Nunca gostei de fazer aniversário, me deixa nostálgica além do normal. Mesmo não gostando de aniversários (os meus ao menos), não consigo deixar de refletir nessas datas sobre a passagem do tempo e as coisas que ele trás e carrega consigo. Os aniversários nada mais são do que ocasiões pontuais que nos servem como referência de nossas próprias vidas daqui um tempo considerável. Olhando aniversários passados, temos uma vaga lembrança de como eram nossas vidas.

Não me lembro hoje de nenhum aniversário anterior ao meu de hoje, quando completo 22 anos, mas tenho certeza de que esse aniversário não vou esquecer jamais. Embora não dê muita importância a datas como essa, impossível seria não lembrar do aniversário em que o que eu mais queria era poder estar com a pessoa que amo, e não estou. Nunca desejo grandes coisas, nunca faço grandes pedidos, nem pedidos faço quando completo mais um ano de vida. Mas esse ano queria mais que tudo que meu desejo fosse realizado: estar com o meu amor bem perto de mim!

Também nunca acreditei que desejos fossem realizados num passe de mágica, mas nesse ano desejaria mais que tudo que existissem gênios da lâmpada e fadas madrinhas para realizarem a única coisa que quero de verdade: poder ter comigo quem amo sem que nada atrapalhe.