No dia 22 de maio de 1972 nasceu Anita, durante a manhã fria e gelada que fizera. Anita nascera como todos os outros bebês, vermelha de sangue e chorando sem parar. Seus pais comemoraram sua bem sucedida chegada a esse mundo de forma entusiasmada, pois esperavam por um filho há tempos.
Entretanto, com o passar dos dias, perceberam que Anita não era uma garota como outra qualquer. Seu choro era constante e incessante, Anita chorava dia e noite sem parar. Não parava nem para que fosse alimentada, dessa forma tiveram que introduzir a comida através de sonda, para que ela não morresse de fome. Os médicos, enfermeiros e familiares da pobre criança empreendiam todos os esforços para que lhe cessasse o choro mas não adiantava, tudo era em vão. Anita viera ao mundo para chorar.
Conforme o tempo foi passando, os resultados dos exames médicos foram saindo e constataram que Anita não tinha problema algum de saúde, nem físico, nem mental. Quando aprendeu a falar (e falava chorando), todos descobriram o motivo do choro de Anita: temia sua passagem efêmera pela vida e ficava triste com isso.
- Vim ao mundo já me despedindo dele, pois sei que um dia irei embora! - falava em prantos.
As pessoas que viviam com Anita tentavam dissuadi-la de sua tristeza, alegando que de nada adiantava lamentar pela efemeridade da vida se ela nada vivia. Mas Anita não cedia, chorava noite e dia sem parar, despedindo-se do mundo que lhe dera a chance de viver, mas que ela não aproveitava. Anita não vivia, apenar existia, junto com seu choro.
Os anos foram passando e Anita, chorando. Muitos anos após seu primeiro suspiro de tristeza, já no ano de 2061, quando a chorosa Anita já estava com 89 anos, ela resolveu parar de chorar. Sem mais, numa bela manhã de primavera, acordou disposta a esquecer o choro que lhe perseguia até o sono e decidiu parar de temer a morte e sua passagem rápida pela terra. Sua empregada, que todas as manhãs estava acostumada a ouvir a lamúria que vinha do quarto de Anita assim que ela acordava, estranhou não ouvir som semelhante aquela manhã e subiu para ver o que estava acontecendo. Quando abriu a porta, viu Anita com um sorriso no rosto, o rosto envelhecido, mas mais que o normal, os olhos fundos e sombrios de toda uma vida de tristeza lhe davam uma velhice superior ao que é capaz ao homem viver. Assim, Anita lhe disse:
- Já me lamentei muito por minha passagem ser tão rápida pelo mundo e penso que isso de nada adiantou. Acabei perdendo o que poderia ter vivido, chorando. Vou ver o que consigo aproveitar, agora sim, de minha breve vida.
Foi então que um coágulo que estava há cinco anos no cérebro de Anita, causado pelas tantas dores de cabeça que tivera devido ao choro constante, resolveu estourar, fazendo cair por terra tanto seu corpo quantos seus medos, assim como sua recente vontade de começar a viver. Que pena que somente no último dia de vida Anita teve consciência de que não são quantos dias vivemos que faz a vida valer a pena, mas sim como foram vividos.