quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Status quo ante

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Só agora Bia se dava conta de como as coisas haviam mudado. Tudo estava sempre tão igual antigamente, vivia na espera de que algo novo acontecesse e a levasse pra bem longe do maquinal cotidiano. Entretanto, desde que as coisas haviam se transformado radicalmente, ela vivia pedindo à Deus que as coisas voltassem a ser como eram antes, no ano passado, no ano retrasado, há dez ou quinze anos atrás, quando ainda era criança, uma pré-adolescente cheia dos maiores sonhos do mundo, pulverizados com toda a certeza de que tudo daria certo sempre, fatalmente. Quando não desse certo é porque não era com ela, claro que não, pois tudo o que não dava ou viria a não dar certo não acontecia com ela.

Mas nos dias de hoje Bia via que as coisas também poderiam acontecer com ela, mesmo que fossem as coisas erradas a se acontecer. Elas aconteciam a qualquer hora, em qualquer estágio e no meio de qualquer boa notícia. Inclusive, más notícias sempre escolhem uma boa hora pra chegar, quando tudo está indo tão bem que até estranha-se a quietude do tempo.

Uma coisa ela havia adquirido desses tempos incertos pelos quais passava. O medo, de tanto senti-lo, havia se tornado algo tão banal e corriqueiro que já estava impregnado em tudo o que fazia, em todas as decisões que tomava. Viu que em tempos incertos, amigos não são amigos, colegas tornam-se desconhecidos e os dias, por mais ensolarados que amanheçam, sempre terminam cinzas. A vantagem do medo constante é não se ter nada mais a temer. Quem sabe dessa forma, a má sorte, vendo que o medo já não é novidade, resolva assombrar outras paragens e deixe a pobre menina em paz, voltando tudo ao que era antes.