quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O pé esquerdo de Alice

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Alice acordou cansada. A noite anterior lhe rendera bons risos, reencontros inesperados e ótimas promessas de reencontros próximos que não aconteceriam, ela bem sabia. Era sempre assim. Quando conseguiam reunir todos os amigos em alguma festa, só os reuniria de novo dali um bom tempo. Mas, claro, todos haviam feito planos para um futuro próximo e se despedido com juras de uma breve nova reunião.

Levantou com o pé esquerdo. Droga – pensou. Não gostava de iniciar o dia com o pé esquerdo. Lutava para não acreditar em superstições baratas, mas, ah, como se entregava a elas de corpo e alma quando ninguém estava por perto! Levantar com o pé esquerdo significava complicações, dia difícil, muitos problemas à vista. Ainda pensando em como fora desprevenida levantando assim, sem pensar com que pé o faria, pegou o pó de café guardado no armário suspenso acima da mesa da cozinha e colocou a água para ferver. Olhou em volta. Tudo estava na mais perfeita ordem. Nenhum grão de poeira fora do lugar. Também, pudera. Não morava com mais ninguém, e a bagunça que se permitia muito raramente era rápida e sorrateiramente arrumada nos minutos seguintes por ela mesma.

Enquanto a água fervia, Alice foi até a porta do apartamento e pegou o jornal. Quando voltou à cozinha, terminou de preparar o café e passou um pouco de manteiga no pão amanhecido. Enquanto bebericava o café e dava mordidas sem vontade no pão de ontem, lia a coluna social e algumas manchetes que lhe chamavam a atenção, como as cheias de verão e a alta nos impostos. Assim que terminou, tratou de arrumar logo o que havia tirado do lugar ou sujado e foi ao quarto para vestir-se. Passando pelo corredor, avistou uma barata. A barata caminhava lentamente entre o seu quarto e o banheiro que ficava no corredor, como se o território lhe fosse destinado. Logo baratas! – pensou Alice. Sabia que já começara. Mal se iniciara o dia e as coisas já estavam dando errado. Tudo por causa daquele maldito pé esquerdo. Quisera eu ter nascido com os dois pés direitos! – bradou enquanto se dirigia à lavanderia para pegar uma vassoura para matar o pequeno, mas asqueroso ser que residia em sua casa sem que ela tivesse conhecimento – até o presente momento.

Pegou a vassoura cujo cabo lhe pareceu ser o mais longo, apesar da suspeita de que fossem todos do mesmo tamanho. Chegando ao corredor, pode vê-la. Ainda estava ali, espreitando seu quarto. Pé ante pé, Alice caminhou sem fazer ruído. Nem ela mesma pôde ouvir o ruído de seus passou ou sua respiração. Estendeu o cabo da vassoura e num brusco, mas rápido movimento, matou a barata. Pegou um punhado de papel higiênico, enrolou aquele inseto detestável e jogou-o na privada.

Assim que terminou de se arrumar, saiu do apartamento para o trabalho. A barata não estava em seus planos e terminou por atrasá-la um pouco de sua habitual rotina.

O vento estava mais forte e mais gelado do que havia previsto, o casaco que havia pegado para aquele final de maio não seria o suficiente. Passarei frio – pensou Alice, já entrando na autopista que a levaria para o estúdio fotográfico no qual trabalhava. Tentou colocar na estação de rádio que gostava de ir ouvindo pela manhã, mas estava fora do ar. Por conta de não estar encontrando a estação desejada, acabou se distraindo ao volante e por pouco não cruzou o semáforo vermelho.

- Maldito pé esquerdo! Maldito seja! Não acredito que fiz isso, não acredito...

Enquanto as rodas do carro a levavam ao destino desejado, a boca de Alice não parava de esbravejar contra o lamentável destino daquela manhã, o destino com seu pé esquerdo. – Maldito seja.

Estacionou o carro na vaga que lhe era destinada. Entrou. Cumprimentou a todos, conforme os encontrava. Começou a fazer seu trabalho. Recebeu o comunicado da secretária: dois contratos que fotografariam hoje haviam sido cancelados. Não conseguiram remarcar nada para o horário da tarde, que ficaria vago. “Prejuízo. Que baita prejuízo.”

Terminou de fazer o que tinha de ser feito e foi embora por volta das duas da tarde. Um pouco antes. Chegando ao estacionamento, ela pôde ver que algum pássaro havia feito o favor de aliviar suas necessidades fisiológicas bem em cima de seu carro. Muitas necessidades. Talvez tivesse sido mais de um pássaro. Uns três ou quatro.

Entrou no automóvel rabiscado por necessidades aviárias e foi ao seu restaurante preferido. Como naquele dia não teria mais que voltar ao estúdio, havia tempo de sobra para esperar pela comida.

Entretanto, não contava que tivesse que esperar tanto. Uma excursão com uns turistas italianos resolveu desembarcar com sua gente ali também, no restaurante preferido de Alice. O lugar ficou lotado, as pessoas se empilhavam nos lugares à espera de sua tão almejada comida. A espera foi maior do que pensara. Duas horas de espera. Sozinha. Numa mesa de restaurante. Com italianos rindo e gritando à sua volta. Tentava se distrair com algumas coisas, como com o celular ou com a conversa de alguém por perto que se fizesse entender, mas não obteve êxito. O prato chegou depois de um tempo. Camarão ao molhe rosè. Frio. Deveria estar pronto há algum tempo em cima do balcão da cozinha e o esqueceram lá. Ótimo. Comida gelada após horas de espera, mais uma peça pregada pelo pé esquerdo de Alice.

Voltou à casa revoltada pelo tempo e dinheiro perdidos no restaurante. Odiava aquele restaurante. Nunca mais voltaria lá. Não sabia como aquele poderia ser o restaurante que mais gostara durante tanto tempo.

Resolveu não sair mais do apartamento, para não correr o risco de algo dar errado. Mas hoje, definitivamente, não era o dia de Alice. O telefone tocou. Era uma loja de produtos esportivos querendo verificar uma compra no cartão de crédito de Alice. Mas ela não comprara nada nessa loja. Após rápida averiguação, constatou-se que o cartão havia sido clonado. Alice ligou para o gerente do banco e ficaram séculos na linha até que conseguisse cancelar o cartão. Olhou para o relógio. Já era tarde. Amanhã teria que acordar mais cedo que de costume, teria de passar na lavanderia deixar o vestido da noite anterior, derrubara vinho e não se arriscaria a lavá-lo sozinha.

Escovou os dentes, prendeu o cabelo e olhou para os pés. Foi até a sala, pegou uma folha de papel sulfite e escreveu em letras maiúsculas: LEVANTAR COM PÉ DIREITO. Pregou a folha em frente à cama, na porta do armário Colocou o despertador e antes de pegar no sono, pensou: “Maldito pé esquerdo!”.

14 comentários:

Nossa, mto bom o texto, foi vc qm escreveu? Se for, vc escreve mto bem! Parabéns :D
Curti o blog e o texto! ^^

VAMOS CORTAR E TRANSFORMA-LA NUM SACI!

Olha se vc msm faz os texto, muito talento para escrever lindos
http://olhaissonet.blogspot.com

gostei! Criativa ela .. eu também acredito muito nessas supertições ..deixar ela saci é o único jeito KKK

Você escreve muito bem.

Acho que esse negócio de pé esquerdo não tem muito a ver...
mesmo assim, a mensagem do texto é bacana.

Parabéns!

o dia foi ruim porque ela acordou com o pé esquerdo ?

ou ela acordou com o pé esquerdo porque o dia seria ruim ?
kkkkkkk fica a incógnita

muito bom o texto . parabens !

Muitas vezes é da própria cabeça nossa algumas supertições como essa de pé esquerdo e tal, mais bacana o texto.
http://olhaissonet.blogspot.com

Nossa, vc escreve lindamente, tem talento... Seu texto me prendeu e encantou!

Parabéns :)

antes que me chame de caloteiro, tô lendo aqui.
é meio grande o texto.

Sou muito supersticiosa, não levanto com o pé esquerdo e nem passo debaixo de escada.

Muito bom o conto!

Adorei sua postagem e algo mais... você mudou de template! ^^ Adorei! =)

Feliz Natal!

http://nwbgaido.blogspot.com/

ficou bem legal o novo template parabens pela postagem mt bom

http://tocadoslinks.blogspot.com/

ficou bem legal vc escreve bem pra caranba


http://planetahuumor.blogspot.com/