quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Êxtase

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Ela estava quase lá. Faltava um pouco, pouquinho pra que conseguisse chegar. O frio tomava conta da barriga e arrepiava os cabelos da nuca. Os pés já começavam a sentir o formigamento. O coração disparado, a cabeça já sentindo vertigens. Mas ela queria. Jana queria mais que tudo sentir aquela sensação. Estava aguardando ansiosa, pois isso nunca havia acontecido com ela antes. Já tinha 27 anos e nunca sentira essa sensação.

Sonhava com o dia em que pudesse realizar essa vontade que lhe povoava a mente de expectativas e anseios. Que vontade louca que tinha! Só de imaginar que agora saberia como seria, que agora iria realizar o que queria e sentir a sensação que tanto havia aguardado, Jana começou a ficar preocupada. E se algo desse errado? E se a sensação não fosse tão boa quanto imaginava? E se houvesse um acidente de percurso? Claro, como não havia pensado nisso antes? Qualquer movimento em falso, qualquer ato precipitado e pronto, tudo iria por água abaixo.

A tensão crescia sem precedentes na imaginação de Janaína, mãe de Guilherme, editora da revista Canto Pra Você, residente na Rua Orixás, cruzamento com a Alameda Itaitú, em alguma cidade perdida por esse Brasil continental. Pensou no que lhe acontecera de manhã. Tudo fora tão perfeito. O café da manhã na cama, o sorriso farto que ele lhe dera. Como era bom ter redescoberto o amor, tantos anos após desaprender seu significado. Agora tudo parecia caminhar bem. Tudo ia bem. Pressentia bons ventos entrando pela janela, mesmo envolta naquele calor de fim de janeiro.

Havia jurado para si mesma que não se deixaria levar por simples e comuns promessas de amor. Essas promessas vazias que são feitas vez ou outra na vida das pessoas e que uma hora calha da pessoa ser ela. Quando ocorria essa infeliz coincidência, Jana já sabia o que fazer. Quando vinham com conversa fiada, querendo maiores intimidades, ela logo cortava qualquer tipo de relacionamento que pudesse vir a se desenrolar. Não queria sofrer na vida mais do que já havia sofrido. Assim, criou o hábito do desapego, na verdade acabou se apegando ao desapego como forma de manter-se viva e em pé.

Com o passar dos anos, foi se tornando endurecida e vazia. Algo lhe faltava. Não estava feliz consigo mesma. Estaria se estivesse feliz. Mas não estava feliz logo não poderia estar feliz. A felicidade era o bem estar, o coração pleno, a paz de espírito. Não tinha felicidade na felicidade que julgava ter quando deixou do lado de fora de seu coração as pessoas que pudessem ser sinônimo de qualquer tipo de relacionamento.

Foi quando tomou a decisão que mudaria toda sua vida e que a faria pensar, naquele fatídico momento, se deveria ou não continuar o que estava fazendo, se sentiria tudo o que planejara, se seria como havia sonhado que fosse. Resolveu dar uma segunda chance ao coração, merecedor de uma outra chance já que havia ficado tão castigado e maltratado por tantos que por ali passaram, deixaram suas marcas e foram embora levando muito dele, deixando-o esburacado, maltratado, feio e sujo, mas vivido. Muito vivido.

Conheceu um rapaz lindo. Na verdade nem tão lindo. Mais do que na verdade, era lindo só aos olhos de Jana, porque os outros o achavam uma figura um tanto caricata. Mas ela se apaixonou, com aquele coração sedento de paixões e amargurado pela solidão depois de tanto tempo só, sem ter quem curasse suas cicatrizes e fechasse seus buracos. Seu nome era Andrei. Jana sonhava com Andrei mesmo acordada, assim como Andrei sonhava com Jana, acordado ou dormindo. Os momentos tinham sido todos perfeitos. Andrei era o homem que tanto esperava, ansiara por conhecê-lo mesmo sem saber quem era, mas reconheceu-o logo que o viu, logo que lhe falou pela primeira vez. Foi por tê-lo conhecido que estava ali agora. A vida a havia levado até ali, para a primeira vez que sentiria aquela sensação, a adrenalina no sangue acelerava o coração, fazia tremer o corpo e revirar os olhos. Decidiu que se algo desse errado é por que havia de dar errado. Sim. Andrei insistira tanto para realizar seu desejo, por tantas vezes encorajou-a a viver aquele momento que, agora que estava lá, seria uma desfeita, um absurdo voltar atrás. Afinal, se havia deixado chegar até aquele ponto, se tinha topado ir até ali, não poderia mais voltar, apesar dos receios e do frio na barriga, do medo que precede o êxtase.

Constatado isso criou a coragem necessária. Deu um passo à frente e o instrutor, colado às suas costas, gritou:

- Pode soltar Zé!

Foi então que pularam. Ela estava acoplada ao macacão do instrutor de bungee jump na parte da frente. O salto era de 80 metros. Findado os segundos da queda alucinante, Jana gritava de satisfação. Agora já conhecia a sensação. Melhor, muito melhor do que imaginara. Passara o medo da primeira vez. A primeira vez que pulara de bungee jump.

12 comentários:

Magnífico!

um post que nos instiga!

Adorei!!

;D

Adorei o texto, de verdade.
Você criou todo um mistério envolto a tal vontade de Jana, perdemo-nos imaginando diversas coisas e, ao fim, era um salto de bungee jump! Quanta criatividade. Um texto leve e de uma grandeza simples, por mais contraditório que isto possa ser.

Nos prende o texto, muito legal
http://olhaissonet.blogspot.com

Nossa, muito interessante!
vc criou um clima de suspense!
gostei muito do texto...de verdade
parabens pelo blog.
abraços.

que lindo este texto... é bem interessante :D

http://semomitirorealcotidiano.blogspot.com/

Quem nunca sentiu o mesmo que Jana em relação a algo?
A primeira coisa que vem é logo em relação ao sexo, ou ao lado afetivo, relacionamentos...
Há varias formas de fazer sexo, uma delas é pular de bungee jump, rsrs

MUITO, MUITO, MAS MUITO BOM MESMO! Você escreve divinamente bem! Faz trabalharmos os sentimentos, sentir o mesmo que Jana, sentir coisas intensas com um toque de humor no final, de um extremo ao outro.
Dei altas risadas e me emocionei demais, talvez pela semelhança que tenho com Jana.
Mas eu já sou uma mente maldosa, como faz isso comigo? hahaha' Eu crente, crente que ela teria altos orgasmos! hahahahhahaha Muito bom mesmo! Se bem que o que o Vanuci Watson disse é a mais pura verdade! hahaa

Me chamou a atenção essa frase:
"Não tinha felicidade na felicidade que julgava ter"

Absurdamente bom. Vou indicar seu texto no meu blog :]

IMAGEM E TEXTO PERFEITO...
JA ME SENTI IGUAL JANA....

Muito bacana o texto, adorei a história, tem coisas na nossa vida que realmente nos deixam extremamente afoitos, é bacana sentir-se assim, pelo menos eu acho...

**quando comecei a lr o texto confesso que pensei que ela estivesse narrando outra coisa! haushau

nossa meu mo supense mt bom parabens


http://tocadoslinks.blogspot.com/